Os pais também fazem birras
Quinta, 02 Abril 2009 | Visto - 1745
Temos direito a perder a paciência com as birras dos filhos e a ter as nossas também, desde que não se tornem constantes e explosivas. Para compreender as cóleras repetidas, há que ir ao passado, investigar os nossos próprios modelos de educação, sem nunca abdicar da disciplina e das emoções.
Que ninguém é perfeito, todos sabemos. Erramos muitas vezes, zangamo-nos com os outros, connosco e com a vida em geral, não faltando razões autênticas, reais, que fazem parte do nosso dia a dia, embora tenham sido construídas ao longo do tempo, muitas vezes sem nos darmos conta. À primeira vista, prendem-se com tensões acumuladas, medos e inseguranças misturados com cansaço, e que podem tornar-se num caldo explosivo se lhe dermos hipótese, ou melhor, se nos confrontarem demasiado, à hora errada, no momento errado. Às vezes, a «mistura» não explode mas faz-se sentir sob a forma de peso insustentável e falta de energia, como se carregássemos o mundo inteiro às costas, o que nos impede de gerir adequadamente e sem dramatismo situações domésticas mais tensas, como acontece nas relações com os nossos filhos.
Muitas vezes, demasiadas vezes, é neles que extravasamos a tensão acumulada, o mau humor que sobe de tom e passa à cólera repetida, à embirração frequente. É dentro da família, em especial quando confrontados com as birras dos mais pequenos, quando se arrastam em choros, lamúrias e exigências despropositadas, que descarregamos esse mal-estar e nos permitimos dar largas ao mau humor, exactamente como eles fazem, aliás. Regra geral, portam-se bem na escola e cumprem as regras do jogo, reservando as grandes birras para os pais, com quem se sentem mais à vontade para mostrar o que sentem.
Mais facilmente nos irritamos com aqueles de quem mais gostamos, por muito que não queiramos fazê-lo, e por melhores que sejam as nossas intenções. Simplesmente, não conseguimos deixar o cansaço e a ansiedade reprimida do lado de fora da porta, e os filhos, sobretudo os mais pequenos, são o alvo perfeito do nosso desalento, crianças indefesas, inocentes e às vezes insuportáveis, a testarem-nos ao limite, especialmente quando sentem que há qualquer coisa que não vai bem.
O direito a ficar zangado
Sim, temos direito às nossas birras de adultos. As crianças percebem mais do que imaginamos, e lidam mal com pais que nunca se zangam, que estão sempre sorridentes e se mostram ultra-compreensivos mesmo no auge do desgaste, disfarçando o mal-estar à custa de um esforço sobre-humano. As crianças pressentem as tormentas por mais que as queiramos esconder, e se as calamos sistematicamente, elas inquietam-se. Primeiro, porque têm medo do que desconhecem, imaginando-se culpadas desse «problema» que assombra a vida dos pais, temendo que ele desabe em cima delas a qualquer momento. Depois, porque lhes causa angústia a «perfeição» paterna e materna, sentindo que nunca poderão competir com esse controlo total e sublime, o que lhes pode afectar seriamente a sua auto-estima. Uma mãe perfeita é aterradora, de tão poderosa que se mostra.
Por último, as crianças confundem o controle excessivo das emoções com frieza e distância, o que as deixa sem espaço para exprimir os seus próprios sentimentos. Posto isto, nunca é demais sublinhar a importância de não esconder estados de espírito e ser tão verdadeiro quanto se pode sobre os nossos sentimentos, dentro dos limites do bom senso e da adequação à idade da criança, claro está. Mas é importante que as crianças aprendam que os pais também têm crises e que às vezes estão tristes ou cansados, que sentem dificuldades e que precisam da sua colaboração em dias particularmente difíceis.
Ponto sensível
Não escolhemos propriamente o momento para nos zangar, mas há alturas em que o «alerta vermelho» tem maior probabilidade de disparar, ou seja, de manhã, mal acordamos já cansados e atrasados para chegar a tempo e horas à escola e ao emprego, ou ao fim do dia, quando regressamos a casa exaustos depois de um dia esgotante. São dois momentos particularmente «quentes», porque tudo o que se prende com alimentar os mais pequenos, dar-lhes banho, vesti-los e calçá-los, enquanto se escuta perguntas complicadas ou se ouve reclamações sem parar, é exercício particularmente penoso para pais à beira de um ataque de nervos. O momento limite em que «a corda estica» é ponto sensível no processo e, como tal, merece a nossa atenção. Mesmo quando é claramente legítimo, o mau humor tem consequências e pode fazer demasiados estragos, especialmente quando se torna repetitivo. Mas, normalmente, tendemos a não nos preocupar e a seguir em frente, apesar dos remorsos sentidos na ocasião.
Não escolhemos propriamente o momento para nos zangar, mas há alturas em que o «alerta vermelho» tem maior probabilidade de disparar, ou seja, de manhã, mal acordamos já cansados e atrasados para chegar a tempo e horas à escola e ao emprego, ou ao fim do dia, quando regressamos a casa exaustos depois de um dia esgotante. São dois momentos particularmente «quentes», porque tudo o que se prende com alimentar os mais pequenos, dar-lhes banho, vesti-los e calçá-los, enquanto se escuta perguntas complicadas ou se ouve reclamações sem parar, é exercício particularmente penoso para pais à beira de um ataque de nervos. O momento limite em que «a corda estica» é ponto sensível no processo e, como tal, merece a nossa atenção. Mesmo quando é claramente legítimo, o mau humor tem consequências e pode fazer demasiados estragos, especialmente quando se torna repetitivo. Mas, normalmente, tendemos a não nos preocupar e a seguir em frente, apesar dos remorsos sentidos na ocasião.
No entanto, vale a pena pensar sobre o assunto, recomendam os especialistas nestas áreas. A nossa insatisfação, desalento e fúria podem ser legítimas dentro de uns certos limites. Tornam-se graves em relação à forma, intensidade e frequência com que nos sentimos levados ao limite das nossas forças e da nossa paciência. São desadequadas e indicadoras de outros perigos quando trazem atrás de si violência e raiva, subindo de tom a cada momento, a ponto de nos deixarem exaustos e desesperados, e de provocarem sintomas crónicos de irritabilidade, medo e insegurança nas crianças. Quando o confronto é crónico, e a ansiedade cresce de ambos os lados, dizem os psicólogos, é preciso fazer uma análise cuidada da situação e tentar perceber porque reagimos desta ou daquela forma.
A génese da violência
As crianças têm antenas. São barómetros na medição da tensão que pressentem no ambiente em que vivem. Além disso, elas são o espelho perfeito do que somos, do que sentimos, do que desejamos e não conseguimos. À sua maneira, contam-nos a nossa própria história, remetendo-nos para o nosso passado inconsciente. De onde vêm as nossas birras? Claude Halmos, psicanalista francesa, sugere uma introspecção cuidada ao nosso passado e aos modelos de comportamento dos nossos pais em relação a nós próprios, quando éramos crianças. É aqui que se encontra a chave para perceber o segredo das nossa fúrias súbitas e descabidas, da intolerância aos confrontos, da obsessão pela disciplina e pela limpeza, da incapacidade de brincar, ouvir e conversar com os nossos filhos, quer sejam pequenos, mais crescidos ou adolescentes.
As crianças têm antenas. São barómetros na medição da tensão que pressentem no ambiente em que vivem. Além disso, elas são o espelho perfeito do que somos, do que sentimos, do que desejamos e não conseguimos. À sua maneira, contam-nos a nossa própria história, remetendo-nos para o nosso passado inconsciente. De onde vêm as nossas birras? Claude Halmos, psicanalista francesa, sugere uma introspecção cuidada ao nosso passado e aos modelos de comportamento dos nossos pais em relação a nós próprios, quando éramos crianças. É aqui que se encontra a chave para perceber o segredo das nossa fúrias súbitas e descabidas, da intolerância aos confrontos, da obsessão pela disciplina e pela limpeza, da incapacidade de brincar, ouvir e conversar com os nossos filhos, quer sejam pequenos, mais crescidos ou adolescentes.
A verdade é que eles são muitas vezes o bode expiatório em que projectamos as nossas frustrações, tristezas e raivas acumuladas por expectativas falhadas. Embirramos não raras vezes com um filho em particular, aquele que consideramos o «mais difícil». Focamo-nos nos seus «defeitos» e esquecemos as suas qualidades. Pode ser o mais velho, o do meio ou o mais novo, tudo depende da imagem que nos devolve de nós próprios e que não nos agrada, justamente por ser demasiado parecido com o que fomos na infância, e que assim nos remete sem cessar para o que foi o nosso próprio modelo de educação e a forma com que fomos criados e amados. Tendemos a repetir inconscientemente os padrões que nos moldaram. Se tivemos uma mãe explosiva ou um pai que gritava e ralhava, temos fortes possibilidades de o repetir com os nossos filhos e, nesse sentido, é imperioso tomar consciência do facto, de forma a «calar» a violência dessa voz dentro de nós, de uma vez por todas.
Por outro lado, convém poder identificar o que trazemos «de fora», e que é tóxico para as relações que temos «dentro» da família, como o stresse excessivo, o peso das responsabilidades profissionais, o cansaço de gerir a nossa vida e a dos nossos filhos pequenos em famílias monoparentais, a raiva que sentimos em relação a nós próprios por não conseguirmos estabelecer regras, e sentirmo-nos afundar no desalento.
Limites que estruturam
Dentro do razoável, algumas zangas são inevitáveis e necessárias, para exprimir o que nos vai dentro, porque fingir e esconder não faz bem a ninguém. Quando temos razão, as crianças compreendem, aceitam e integram o que lhes queremos dizer. Na verdade, precisam e agradecem os limites que lhes damos, como fundação essencial da sua auto-estima e bem-estar, do seu equilíbrio psíquico, emocional e afectivo. Sem limites, uma criança arrisca-se a desenvolver insegurança e desresponsabilização sobre os seus actos, o que compromete gravemente o seu futuro. Estudos indicam que o estilo permissivo produz crianças sem vontade, irresponsáveis, sem sentido ou objectivos, muitas vezes com tendência para as adições de todo o género.
Dentro do razoável, algumas zangas são inevitáveis e necessárias, para exprimir o que nos vai dentro, porque fingir e esconder não faz bem a ninguém. Quando temos razão, as crianças compreendem, aceitam e integram o que lhes queremos dizer. Na verdade, precisam e agradecem os limites que lhes damos, como fundação essencial da sua auto-estima e bem-estar, do seu equilíbrio psíquico, emocional e afectivo. Sem limites, uma criança arrisca-se a desenvolver insegurança e desresponsabilização sobre os seus actos, o que compromete gravemente o seu futuro. Estudos indicam que o estilo permissivo produz crianças sem vontade, irresponsáveis, sem sentido ou objectivos, muitas vezes com tendência para as adições de todo o género.
Disciplinar nem sempre é fácil. Pais que foram excessivamente disciplinados, fruto de uma educação autoritária, podem ter a tentação de ser permissivos com os filhos e calar todas as zangas, todas as fúrias e frustrações em nome da tranquilidade familiar, tentando dar aos filhos o ambiente que não tiveram. Nada mais falso. Estes pais precisam de conquistar o espaço que lhes é devido, de se irritarem e zangarem com as crianças, de serem livres para exprimir o que lhes vai dentro, incluindo umas palmadas quando é realmente necessário, sem medo nem remorsos.
Finalmente, o segredo consiste em encontrar um ponto de equilíbrio entre a gestão das nossas tensões e a forma como amamos e disciplinamos os nossos filhos. Com intuição e bom senso, um passo para trás, outro para frente e ainda outro para o lado, assim dançamos ao compasso de uma música muito própria, que é a das relações entre pais e filhos.
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