sexta-feira, 17 de junho de 2011

As birras dos Adultos

Artigo Retirado: Revista Pais e Filhos

Os pais também fazem birras
Image Temos direito a perder a paciência com as birras dos filhos e a ter as nossas também, desde que não se tornem constantes e explosivas. Para compreender as cóleras repetidas, há que ir ao passado, investigar os nossos próprios modelos de educação, sem nunca abdicar da disciplina e das emoções.
Que ninguém é perfeito, todos sabemos. Erramos muitas vezes, zangamo-nos com os outros, connosco e com a vida em geral, não faltando razões autênticas, reais, que fazem parte do nosso dia a dia, embora tenham sido construídas ao longo do tempo, muitas vezes sem nos darmos conta. À primeira vista, prendem-se com tensões acumuladas, medos e inseguranças misturados com cansaço, e que podem tornar-se num caldo explosivo se lhe dermos hipótese, ou melhor, se nos confrontarem demasiado, à hora errada, no momento errado. Às vezes, a «mistura» não explode mas faz-se sentir sob a forma de peso insustentável e falta de energia, como se carregássemos o mundo inteiro às costas, o que nos impede de gerir adequadamente e sem dramatismo situações domésticas mais tensas, como acontece nas relações com os nossos filhos.

Muitas vezes, demasiadas vezes, é neles que extravasamos a tensão acumulada, o mau humor que sobe de tom e passa à cólera repetida, à embirração frequente. É dentro da família, em especial quando confrontados com as birras dos mais pequenos, quando se arrastam em choros, lamúrias e exigências despropositadas, que descarregamos esse mal-estar e nos permitimos dar largas ao mau humor, exactamente como eles fazem, aliás. Regra geral, portam-se bem na escola e cumprem as regras do jogo, reservando as grandes birras para os pais, com quem se sentem mais à vontade para mostrar o que sentem.

Mais facilmente nos irritamos com aqueles de quem mais gostamos, por muito que não queiramos fazê-lo, e por melhores que sejam as nossas intenções. Simplesmente, não conseguimos deixar o cansaço e a ansiedade reprimida do lado de fora da porta, e os filhos, sobretudo os mais pequenos, são o alvo perfeito do nosso desalento, crianças indefesas, inocentes e às vezes insuportáveis, a testarem-nos ao limite, especialmente quando sentem que há qualquer coisa que não vai bem.

O direito a ficar zangado
Sim, temos direito às nossas birras de adultos. As crianças percebem mais do que imaginamos, e lidam mal com pais que nunca se zangam, que estão sempre sorridentes e se mostram ultra-compreensivos mesmo no auge do desgaste, disfarçando o mal-estar à custa de um esforço sobre-humano. As crianças pressentem as tormentas por mais que as queiramos esconder, e se as calamos sistematicamente, elas inquietam-se. Primeiro, porque têm medo do que desconhecem, imaginando-se culpadas desse «problema» que assombra a vida dos pais, temendo que ele desabe em cima delas a qualquer momento. Depois, porque lhes causa angústia a «perfeição» paterna e materna, sentindo que nunca poderão competir com esse controlo total e sublime, o que lhes pode afectar seriamente a sua auto-estima. Uma mãe perfeita é aterradora, de tão poderosa que se mostra.

Por último, as crianças confundem o controle excessivo das emoções com frieza e distância, o que as deixa sem espaço para exprimir os seus próprios sentimentos. Posto isto, nunca é demais sublinhar a importância de não esconder estados de espírito e ser tão verdadeiro quanto se pode sobre os nossos sentimentos, dentro dos limites do bom senso e da adequação à idade da criança, claro está. Mas é importante que as crianças aprendam que os pais também têm crises e que às vezes estão tristes ou cansados, que sentem dificuldades e que precisam da sua colaboração em dias particularmente difíceis.
Ponto sensível
Não escolhemos propriamente o momento para nos zangar, mas há alturas em que o «alerta vermelho» tem maior probabilidade de disparar, ou seja, de manhã, mal acordamos já cansados e atrasados para chegar a tempo e horas à escola e ao emprego, ou ao fim do dia, quando regressamos a casa exaustos depois de um dia esgotante. São dois momentos particularmente «quentes», porque tudo o que se prende com alimentar os mais pequenos, dar-lhes banho, vesti-los e calçá-los, enquanto se escuta perguntas complicadas ou se ouve reclamações sem parar, é exercício particularmente penoso para pais à beira de um ataque de nervos. O momento limite em que «a corda estica» é ponto sensível no processo e, como tal, merece a nossa atenção. Mesmo quando é claramente legítimo, o mau humor tem consequências e pode fazer demasiados estragos, especialmente quando se torna repetitivo. Mas, normalmente, tendemos a não nos preocupar e a seguir em frente, apesar dos remorsos sentidos na ocasião.

No entanto, vale a pena pensar sobre o assunto, recomendam os especialistas nestas áreas. A nossa insatisfação, desalento e fúria podem ser legítimas dentro de uns certos limites. Tornam-se graves em relação à forma, intensidade e frequência com que nos sentimos levados ao limite das nossas forças e da nossa paciência. São desadequadas e indicadoras de outros perigos quando trazem atrás de si violência e raiva, subindo de tom a cada momento, a ponto de nos deixarem exaustos e desesperados, e de provocarem sintomas crónicos de irritabilidade, medo e insegurança nas crianças. Quando o confronto é crónico, e a ansiedade cresce de ambos os lados, dizem os psicólogos, é preciso fazer uma análise cuidada da situação e tentar perceber porque reagimos desta ou daquela forma.
A génese da violência
As crianças têm antenas. São barómetros na medição da tensão que pressentem no ambiente em que vivem. Além disso, elas são o espelho perfeito do que somos, do que sentimos, do que desejamos e não conseguimos. À sua maneira, contam-nos a nossa própria história, remetendo-nos para o nosso passado inconsciente. De onde vêm as nossas birras? Claude Halmos, psicanalista francesa, sugere uma introspecção cuidada ao nosso passado e aos modelos de comportamento dos nossos pais em relação a nós próprios, quando éramos crianças. É aqui que se encontra a chave para perceber o segredo das nossa fúrias súbitas e descabidas, da intolerância aos confrontos, da obsessão pela disciplina e pela limpeza, da incapacidade de brincar, ouvir e conversar com os nossos filhos, quer sejam pequenos, mais crescidos ou adolescentes.

A verdade é que eles são muitas vezes o bode expiatório em que projectamos as nossas frustrações, tristezas e raivas acumuladas por expectativas falhadas. Embirramos não raras vezes com um filho em particular, aquele que consideramos o «mais difícil». Focamo-nos nos seus «defeitos» e esquecemos as suas qualidades. Pode ser o mais velho, o do meio ou o mais novo, tudo depende da imagem que nos devolve de nós próprios e que não nos agrada, justamente por ser demasiado parecido com o que fomos na infância, e que assim nos remete sem cessar para o que foi o nosso próprio modelo de educação e a forma com que fomos criados e amados. Tendemos a repetir inconscientemente os padrões que nos moldaram. Se tivemos uma mãe explosiva ou um pai que gritava e ralhava, temos fortes possibilidades de o repetir com os nossos filhos e, nesse sentido, é imperioso tomar consciência do facto, de forma a «calar» a violência dessa voz dentro de nós, de uma vez por todas.

Por outro lado, convém poder identificar o que trazemos «de fora», e que é tóxico para as relações que temos «dentro» da família, como o stresse excessivo, o peso das responsabilidades profissionais, o cansaço de gerir a nossa vida e a dos nossos filhos pequenos em famílias monoparentais, a raiva que sentimos em relação a nós próprios por não conseguirmos estabelecer regras, e sentirmo-nos afundar no desalento.
Limites que estruturam
Dentro do razoável, algumas zangas são inevitáveis e necessárias, para exprimir o que nos vai dentro, porque fingir e esconder não faz bem a ninguém. Quando temos razão, as crianças compreendem, aceitam e integram o que lhes queremos dizer. Na verdade, precisam e agradecem os limites que lhes damos, como fundação essencial da sua auto-estima e bem-estar, do seu equilíbrio psíquico, emocional e afectivo. Sem limites, uma criança arrisca-se a desenvolver insegurança e desresponsabilização sobre os seus actos, o que compromete gravemente o seu futuro. Estudos indicam que o estilo permissivo produz crianças sem vontade, irresponsáveis, sem sentido ou objectivos, muitas vezes com tendência para as adições de todo o género.

Disciplinar nem sempre é fácil. Pais que foram excessivamente disciplinados, fruto de uma educação autoritária, podem ter a tentação de ser permissivos com os filhos e calar todas as zangas, todas as fúrias e frustrações em nome da tranquilidade familiar, tentando dar aos filhos o ambiente que não tiveram. Nada mais falso. Estes pais precisam de conquistar o espaço que lhes é devido, de se irritarem e zangarem com as crianças, de serem livres para exprimir o que lhes vai dentro, incluindo umas palmadas quando é realmente necessário, sem medo nem remorsos.
Finalmente, o segredo consiste em encontrar um ponto de equilíbrio entre a gestão das nossas tensões e a forma como amamos e disciplinamos os nossos filhos. Com intuição e bom senso, um passo para trás, outro para frente e ainda outro para o lado, assim dançamos ao compasso de uma música muito própria, que é a das relações entre pais e filhos.

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